Recebido: 17-01-2023 | Aprovado: 27-02-2023
Cristina Nunes, Centro de Investigação em Psicologia (CIP),
Universidade do Algarve (csnunes@ualg.pt)
Lara Ayala-Nunes, Centro de Investigação em Psicologia (CIP),
Universidade do Algarve (lara.ayala88@gmail.com)
Cátia Martins, Centro de Investigação em Psicologia (CIP), Universidade
do Algarve (csmartins@ualg.pt)
Pedro Pechorro, CINEICC, PsyAssessmentLab, Universidade de Coimbra
(ppechorro@gmail.com)
Márcia Emídio, Universidade do Algarve (a49799@ualg.pt)
Laura Inês Ferreira, Centro de Investigação em Psicologia (CIP),
Universidade do Algarve (liferreira@ualg.pt)
Javier Pérez-Padilla, Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, Universidad de Jaén. Grupo de Investigación (HUM604) Desarrollo de estilos de vida en el ciclo vital y promoción de la salud. (jppadill@ujaen.es)
Rita Santos, Centro de Investigação em Psicologia (CIP). Universidade do Algarve, (rasantos@ualg.pt)
Como citar este artigo:
Nunes, C., Ayala-Nunes, L., Martins, C., Pechorro, P., Emídio, M., Ferreira, L. I., Pérez-Padilla, J.,
& Santos, R. (2023). Características psicométricas do Brief COPE numa amostra de famílias em risco psicossocial.
[RMd] RevistaMultidisciplinar, 5(1), 199–217.
https://doi.org/10.23882/rmd.23130
Resumo: As estratégias de enfrentamento são um constructo relevante na avaliação do contexto familiar, em particular nas famílias em risco psicossocial. O presente estudo teve como objetivo analisar as características psicométricas e a estrutura fatorial do Brief COPE, que mede as estratégias de enfrentamento. Participaram 116 pais (80% mulheres, com uma média de idade de 35,30 anos) com menores e que beneficiavam de medidas de promoção nos serviços de proteção do Algarve. Para além do Brief COPE, também utilizámos um questionário sociodemográfico. Os resultados apoiam a retenção dos 28 itens, a aceitação da estrutura de 14 dimensões da versão original e mostram níveis satisfatórios de consistência interna. Apesar de algumas limitações, as propriedades psicométricas encontradas justificam a utilização deste instrumento com famílias em risco psicossocial.
Palavras-chave: Brief COPE, Estratégias de enfrentamento, Famílias em risco psicossocial, Parentalidade, Validação.
Introdução
As famílias em risco psicossocial enfrentam graves problemas, vivem em contextos
carentes de recursos e acumulam múltiplos acontecimentos de vida stressantes.
Estas circunstâncias pessoais e contextuais dificultam, ou limitam, as suas
competências parentais, comprometendo a sua capacidade para exercer uma
parentalidade adequada e promover o harmonioso desenvolvimento dos seus filhos
(Hernandez, 2023; Álvarez et al., 2020; Ayala-Nunes et al., 2017; Pérez-Padilla
et al., 2017).
Estes fatores de risco podem causar elevados níveis de stresse nos pais e,
consequentemente, ter o mesmo efeito nos seus filhos, comprometendo o seu
desenvolvimento, uma vez que a quantidade e a qualidade dos recursos disponíveis
para enfrentarem os stressores pode determinar a ocorrência de uma parentalidade
disfuncional (Farkas & Valdés, 2010). Dado os elevados níveis de stresse
parental e de acontecimentos de vida negativos que estas famílias sofrem, uma
dimensão bastante relevante é o estudo das estratégias de enfrentamento que os
pais utilizam (Ayala-Nunes
et al., 2017; Nunes et al., 2019; Pérez-Padilla et al., 2017).
O conceito de
enfrentamento (coping) pode ser visto como um conjunto de processos
comportamentais e cognitivos, que estão em constante mudança, tendo como
objetivo gerir as exigências internas e externas que vão muito além dos recursos
individuais (Lazarus & Folkman, 1984). As estratégias de enfrentamento podem ser
focadas no problema ou na emoção. Quando falamos de enfrentamento focado no
problema, dizemos que é a capacidade de planear ou apresentar comportamentos que
ajudem a ultrapassar o problema que causa sofrimento sendo mais adaptativas em
relação à diminuição do sofrimento psicológico. Por outro lado, quando se fala
de enfrentamento focado na emoção o objetivo é o de ajudar a enfrentar emoções
negativas causadas por algum acontecimento stressante e são estas as que melhor
explicam as diferenças ocorridas no ajustamento psicológico (Afifi et al., 2020;
Folkman & Lazarus, 1985).
As estratégias de
enfrentamento têm sido objeto de estudo nos últimos anos, principalmente no que
se refere à sua associação ao processo de stresse (Pérez et al., 2014). Alguns
autores têm relacionado as estratégias de enfrentamento, no que se refere às
situações stressantes ligadas ao papel parental, à qualidade da interação
pai-filho (Bynum & Brody, 2005) e ao bem-estar dos próprios pais (Eisengart et
al., 2003). Por isso, o estudo das estratégias de enfrentamento e a sua relação
com outras dimensões do funcionamento familiar, assim como
a validação e adaptação de instrumentos que
avaliem estas estratégias, são iniciativas essenciais para um maior conhecimento
nesta área, bem como para uma melhor avaliação e intervenção dos profissionais
de saúde.
Um dos instrumentos
bastante utilizado é o Brief COPE (Carver, 1997), que consiste numa
escala de autorresposta, multidimensional e que pode ser utilizada para avaliar,
tanto as estratégias de enfrentamento de stresse, como os estilos de
enfrentamento (Brasileiro et al., 2016; Maroco et al., 2014; Pais-Ribeiro &
Rodrigues, 2004). É composto por 14 subescalas, com dois itens cada, num total
de 28 itens, onde é pedido ao participante que responda qual costuma ser a sua
reação perante diferentes situações de stresse, recorrendo a uma escala de 4
pontos do tipo Likert, onde as suas respostas variam entre 1 (não tenho
agido desta forma) e 4 (tenho agido desta forma muitas vezes). Mede 14 reações
diferenciadas de enfrentamento, nomeadamente o coping ativo, o
planeamento, a reinterpretação cognitiva, a aceitação, o humor, a religião, o
suporte emocional, o suporte instrumental, a autodistração, a negação, a
expressão de sentimentos, o uso de substâncias, o desinvestimento comportamental
e a autoculpabilização.
Esta versão breve foi
construída a partir da versão completa do instrumento que incluía 60 itens.
Foram utilizados dois critérios para selecionar os itens: retenção dos itens com
cargas fatoriais mais elevadas na versão original e manter os itens que eram
mais claros e fáceis para a população não universitária (Carver, 1997).
O estudo original de
Carver (1997), realizado em Miami (EUA) com 168 participantes que tinham
sobrevivido a um furacão, utilizou uma análise exploratória com uma rotação
oblíqua, de modo a permitir correlações entre os fatores. Como resultado,
nove dos 14 fatores cumpriam com o critério de Kaiser
(i.e., eigenvalues superiores a 1.0), que explicava 72,4% da variância
total. No que se refere aos resultados de avaliação da consistência interna,
estes apresentaram níveis satisfatórios, com a exceção de três escalas - as
escalas de aceitação (α = .57), de expressão de sentimentos (α =
.50) e de negação (α = .54). Dado o interesse, as boas características
psicométricas e a validade fatorial demonstrada por este instrumento,
realizaram-se várias traduções e validações desta escala. São exemplos as
validações espanholas (Morán
et al., 2010;
Perczek et al., 2000),
a francesa (Doron et al., 2014; Muller & Spitz, 2003), a grega (Kapsou et al.,
2010), a brasileira e as portuguesas (Brasileiro et al., 2016; Maroco et al.,
2014; Pais Ribeiro & Rodrigues, 2004).
A adaptação portuguesa de
Pais Ribeiro e Rodrigues (2004) foi realizada recorrendo a uma amostra de 364 de
jovens adultos e através de uma análise fatorial exploratória com rotação
oblíqua e obteve uma solução de 14 fatores, idêntica ao estudo de Carver (1997).
Nove escalas apresentaram valores próprios superiores a 1 e a solução de 14
fatores explicou 67,4% da variância total. Os valores de consistência interna
variaram entre .55 - .84, sendo apenas a escala de aceitação a que revelou
níveis abaixo do satisfatório (i.e., < .70; α = .55).
O estudo de adaptação
transcultural Brasil-Portugal da escala Brief COPE (Maroco et al., 2014),
desenvolvido com uma amostra de 1573 estudantes do ensino superior, também
demostrou que se trata de um instrumento válido e confiável, com uma boa
consistência interna na maioria das subescalas (i.e., os valores de alfa de
Cronbach oscilaram entre os .70 e .85), com a exceção da subescala de aceitação,
que na amostra portuguesa apresentou um α = .46.
Dada a relevância deste
constructo na avaliação do contexto familiar, em particular nas famílias em
risco psicossocial, propusemo-nos neste estudo analisar as características
psicométricas e a estrutura fatorial do Brief COPE, através de uma
análise fatorial confirmatória.
Método
Participantes
Participaram neste estudo
116 famílias, com crianças cujas idades se compreendiam entre os 0 e os 18 anos,
residentes no Algarve, que beneficiavam de uma medida de promoção nas Comissões
de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).
Os participantes foram
selecionados pelos técnicos das instituições, utilizando os seguintes critérios:
1) ter pelo menos um filho dependente menor de idade; 2) sofrer de vários
problemas e situações de risco para os seus filhos que, embora importantes, não
alcançavam um grau de severidade suficiente para justificar medidas de retirada.
A maioria dos
participantes eram mães (80%), com idades compreendidas entre os 16 e 51 anos (M
= 35.30; DP= 7.68). Os pais (20%) tinham idades que variavam entre 20
e 61 anos (M = 42.00; DP = 10.12). O nível de estudos dos
participantes da amostra era baixo: 43% não tinha completado os estudos
primários e 33% tinha apenas concluído o ensino básico,
19% completaram o ensino
secundário e 5% tinha estudos universitários.
Instrumentos
Brief COPE (Carver, 1997). Tal como
descrito anteriormente,
é uma escala composta por 28 itens, de autorresposta,
multidimensional e que pode ser utilizada para avaliar tanto estratégias como
estilos de enfrentamento (Tabela 1).
A tradução
inicial do inglês para o português foi realizada pelas duas primeiras autoras
deste estudo, assegurando a compreensão correta do significado dos itens. O
questionário foi novamente retrovertido para o inglês, por um nativo com
considerável experiência profissional em tradução de textos científicos de
psicologia. A adaptação cultural foi especialmente considerada, tendo em conta a
clareza, o uso da linguagem comum e a equivalência conceptual da escala.
Questionário de dados sociodemográficos. Questionário construído
ad hoc e que recolheu a seguinte informação: idade, sexo, nível de
escolaridade e situação laboral dos participantes, idade e sexo dos filhos.
Tabela 1
Subescalas e itens do Brief COPE
Procedimentos
Após o estabelecimento de
protocolos de colaboração com as CPCJs do Algarve, que intervêm junto destas
famílias, os técnicos das instituições colaboradoras selecionaram os
progenitores que cumpriam os critérios de inclusão e convidaram-nos a participar
no estudo. Posteriormente os entrevistadores, que tinham recebido formação para
a aplicação dos instrumentos, deslocaram-se às instituições para entrevistar os
progenitores que haviam concordado participar. Os participantes foram informados
acerca dos objetivos do estudo, do caracter não compensatório da sua
participação, da natureza anónima e confidencial das suas respostas e da
possibilidade de desistir do estudo em qualquer momento, sem que isso
representasse quaisquer consequências para eles. Após a assinatura do
consentimento informado, os questionários foram aplicados
através de entrevista individual. Quando necessário, os entrevistadores liam
as perguntas e os participantes assinalavam no questionário a resposta. O estudo
foi aprovado pelo Conselho Científico da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade do Algarve (CC_55_20/12/2017).
Análises de Dados
Os dados foram analisados
com o software SPSS v25 (IBM SPSS, 2017). A análise da estrutura fatorial
do Brief COPE foi efetuada no software EQS (Bentler & Wu, 2015),
com estimativa por Máxima Verosimilhança (ML). Os índices de ajustamento foram
calculados através do Qui-quadrado de Satorra-Bentler/graus de liberdade, CFI
(Comparative Fit Index), IFI (Incremental Fit Index), RMSEA (Root Mean Square
Error of Approximation). Os valores CFI ≥ .90 e RMSEA < .10 indicavam um
ajustamento adequado; os valores de CFI ≥ .95 e RMSEA ≤ .06 indicavam um bom
ajustamento. Um valor de IFI ≥ .90 era considerado aceitável (Byrne, 2013). A
AFC foi efetuada diretamente nos itens. Não foram utilizados Índices de
Modificação para melhoria do ajustamento do modelo.
Foram utilizadas as
correlações de Pearson para analisar as associações entre variáveis escalares
(Knapp, 2017). Foram consideradas correlações fracas aquelas cujos valores
variavam entre 0 e .20, correlações moderadas quando oscilavam entre .20 e .50,
e correlações fortes todas as que se situavam acima de .50 (Ferguson, 2016). A
consistência interna, avaliada através do alfa de Cronbach, foi considerada
adequada quando os valores se encontravam acima de .70 e as correlações
item-total corrigidas quando acima de .30 (Tabachnick & Fidell, 2019).
Resultados
Análise descritiva do
Brief COPE
A tabela 2 mostra que os
índices de assimetria e de
curtose não se afastam muito da normalidade, atendendo aos seus valores de
referência (Sk < 3 e Ku < 10); a assimetria varia entre 0.03 e
2.62, e a curtose entre -0.12 e 6.33. Ao nível da consistência interna, nenhum
dos itens, se retirado, melhorava consideravelmente o alfa total do brief COPE (α
= .75), pelo que se mantiveram os 28 itens (Tabela 2).
Tabela 2
Análise da capacidade discriminante do Brief COPE em famílias em risco (N=116)
Na Tabela 3, podemos observar que as subescalas que apresentaram uma média mais elevada foram o coping ativo (M= 3,55; DP = 0,54) e o planeamento (M = 3,37; DP = 0,59).
Tabela 3
Estatística descritiva e correlações entre as dimensões do Brief COPE em famílias em risco (N=116)
Análise confirmatória do
Brief COPE
Tabela 4
Qualidade dos índices de ajuste para diferentes modelos do Brief COPE
A maioria dos itens saturou acima de .30 e, embora os itens 3, 6, 8, 12, 13, 18, 19, 21, 27 e 28 apresentem uma correlação abaixo do valor de referência (Tabela 5), nenhum dos itens foi removido do modelo.
Tabela 5
Cargas fatoriais do modelo de 14 fatores do Brief COPE
Análise da fiabilidade do
Brief COPE
Tabela 6
Alfa de Cronbach, média das correlações inter-itens e correlações item-total corrigida
Discussão
Cada vez mais se revela
importante, não só a utilização de instrumentos devidamente traduzidos, mas
também a sua adaptação e validação face a subgrupos da população, cujas
especificidades podem afetar a análise e a potencialidade interpretativa dos
resultados fornecidos (Nunes et al., 2023). Neste sentido, o presente estudo
teve como objetivo principal analisar as características psicométricas e a
estrutura fatorial de um instrumento de avaliação das estratégias e dos estilos
de enfrentamento de stress, o Brief COPE (Carver, 1997), numa amostra de
famílias em risco psicossocial.
Esta escala, composta por
28 itens que avaliam um total de 14 dimensões (e.g., coping ativo,
planeamento, suporte emocional, negação, autoculpabilização; ver Tabela 1), é um
instrumento bastante utilizado na avaliação dos níveis de enfrentamento,
traduzido para várias línguas (e.g., Muller & Spitz, 2003; Perczek et al.,
2000), nomeadamente para a portuguesa (Maroco et al., 2014; Pais Ribeiro &
Rodrigues, 2004).
Considerando que a
população-alvo eram as famílias em risco psicossocial, realizou-se, num primeiro
momento, um processo de tradução do original inglês e retroversão
do questionário, tendo em conta aspetos de clareza, utilização de linguagem
acessível/comum e a equivalência escalar, ou seja, por um lado que os itens
fossem compreendidos pelos participantes e, por outro, sem que o seu sentido
original fosse desvirtuado.
Num segundo momento,
procedeu-se à realização de estudo psicométrico com finalidade confirmatória. Os
resultados encontrados proporcionaram suporte para a inclusão de todos os itens,
uma vez que apresentaram sensibilidade psicométrica (i.e., índices de assimetria
e curtose dentro dos valores recomendados), correlações item-total corrigido
superiores, de grosso modo, à referência (i.e., > .30) e valores de Alfa de
Cronbach acima de .70. Quanto à estrutura fatorial, o modelo original de 14
dimensões apresentou bons indicadores de ajustamento, com a maioria dos itens a
saturar acima de .30 nos respetivos fatores, pelo que não se procedeu à
eliminação de nenhum item. Contudo, salientamos que alguns itens obtiveram
correlações baixas, o que poderá ser um indicador de vulnerabilidade.
Na generalidade, as
dimensões revelaram correlações inter-itens adequadas, evidenciando uma boa
homogeneidade e valores de alfa de Cronbach, na sua maioria, dentro dos
parâmetros recomendados (> .70). À semelhança dos itens, também os valores aqui
indicaram algumas fragilidades, com seis fatores com valores abaixo de .70.
Estes resultados são consistentes com algumas controvérsias encontradas noutras
validações do Brief COPE (e.g., Brasileiro et al., 2016). Desde o estudo
original (Carver, 1997), que inicialmente encontrou uma estrutura de 14 fatores
e valores de alfa de Cronbach entre .54 e .90, até uma série de outras
investigações, identificadas até 2010 por Krägeloh (2011) e até 2015 por
Brasileiro et al. (2016), que salientaram diversas vulnerabilidades ao nível da
estrutura fatorial (consoante a técnica utilizada) e fiabilidade (i.e., valores
de alfa baixos em algumas subescalas). O estudo de validação do instrumento para
português (Pais Ribeiro & Rodrigues, 2004), com uma amostra maior do que a do
presente trabalho, também encontrou fragilidades em alguns fatores, no que diz
respeito aos níveis de consistência interna e de saturação dos itens, mas
compatíveis com o estudo inicial de Carver (1997). Atendendo ao facto de o
instrumento ter apenas dois itens por fator, seria expectável encontrar índices
de confiabilidade mais baixos do que o recomendado, pelo que consideramos que
Brief COPE como um instrumento fiável.
Na globalidade, e também à
semelhança de outros estudos (e.g., Maroco et al., 2014; Muller & Spitz, 2003;
Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004), a estrutura original de Carver (1997) foi
apoiada pela análise fatorial confirmatória realizada, pelo que a utilização
deste instrumento para a avaliação de famílias portuguesas em situação de risco
psicossocial é adequada. Contudo, considera-se pertinente salientar que as
amostras utilizadas neste e noutros estudos efetuados com recurso à versão
portuguesa do Brief COPE (e.g., Brasileiro et al., 2016; Maroco et al.,
2014; Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004) apresentam diferentes contextos (ou seja,
amostras com idades, níveis socioeconómicos e níveis educativos diferentes), o
que poderá dificultar comparações mais lineares. Ainda assim, no que se refere à
solução fatorial, consideramos os nossos resultados compatíveis com
investigações com amostras portuguesas (Maroco et al., 2014; Pais-Ribeiro &
Rodrigues, 2004) e com o original de Carver (1997), pelo que não se sugerem
alterações.
De facto, a estrutura de
14 escalas do Brief COPE tem inerente um longo processo de
aperfeiçoamento (Carver et al., 1989) que, na sua versão final, reflete, por um
lado, o modelo transacional de stress e coping de Folkman e
Lazarus (1980) e, por outro, o modelo de auto-regulação comportamental
desenvolvido por Carver e Scheier (1990). As explicações transacionais de stress
enaltecem os processos
cognitivo-fenomenológicos
que permitem
aos indivíduos atribuir significado ao seu ambiente, enfatizando a sua natureza
relacional e dinâmica, na qual o stress poderá evidenciar-se (Biggs et al.,
2017; Lazarus & Folkman, 1984). A teoria de Carver e Scheier (1990) foca-se nos
processos baseados em feedback através dos quais as pessoas autorregulam as suas
ações para minimizar as discrepâncias entre os atos atuais e os atos desejados
ou pretendidos. Assim, encontramos no Brief COPE diferentes reações de
enfrentamento que, por um lado, refletem estratégias de automonitorização (e.g.,
planeamento, reinterpretação cognitiva, autodistração) e, por outro, de
interação com o contexto (e.g., humor, uso de substâncias).
No que se refere aos
resultados obtidos nas subescalas, salientam-se os valores médios mais baixos
nas dimensões de humor, religião, uso de substâncias e desinvestimento
comportamental, que poderá indicar, no caso das duas primeiras, que estas
competências não se adequam enquanto estratégia de enfrentamento de situações de
stresse (e.g., por maior rigidez cognitiva ou ausência de envolvimento em
contexto religioso) e, quanto às duas últimas, pela possibilidade dos pais terem
dado uma resposta mais baseada numa desejabilidade social ou negação, do que sua
experiência real (e.g., Brasileiro et al., 2016). Relativamente às médias mais
elevadas (i.e., coping ativo, planeamento e aceitação), os resultados
parecem indicar que os participantes, no exercício da sua parentalidade,
preferem e valorizam mais a adoção de estratégias de enfrentamento mais
positivas e adaptativas.
Embora se tenham
encontrado algumas vulnerabilidades e limitações na utilização desta escala de
avaliação das estratégias de enfrentamento em situações de stress a que os pais
recorrem no exercício da sua parentalidade, que poderão ser endereçadas em
futuras investigações, o presente estudo apresenta-se como um importante
contributo para profissionais e investigadores na área da avaliação e
intervenção em famílias de risco.
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